Cemitério de Estância exuma corpo sem notificar familiares

Notícias - Municípios - 05/05/2011


 
Por Delano Mendes 

A dor da perda de um ente querido foi sentida em dobro pela advogada Izaíra Ramos Oliveira. Isto porque ela foi obrigada a sepultar o seu pai duas vezes e com direito a requintes de terror. Há duas semanas, ela encontrou o corpo dele fora da sepultura e jogado em um depósito fétido cheio de sacos com ossos humanos. Essa história, digna de um filme trash, aconteceu no Cemitério Nossa Senhora da Piedade, em Estância, a 70 km da capital.
O horror da advogada começou no dia 7 de março de 2010, quando o senhor Justo Vitor Oliveira, 88 anos, conhecido na cidade como 'Seu Juca', morreu. Izaíra providenciou o sepultamento de seu pai no mausoléu que a família possui no cemitério de Estância. Só que no dia do enterro, o caixão de Seu Juca não coube no túmulo porque tinha 15 centímetros a mais que a porta do jazigo.
Diante deste problema, Izaíra foi aconselhada pelo tesoureiro do cemitério, o senhor José Paulo de Araújo, a alugar outra sepultura. Ela pagou R$ 300 por um novo túmulo onde o corpo de Seu Juca deveria ficar por três anos, até março de 2013. Só que isto não aconteceu. Ele não pôde, enfim, descansar em paz.
Na tarde do dia 19 de abril, Izaíra estava no cemitério para acompanhar outro enterro e resolveu visitar a sepultura do pai. Para sua surpresa, a lápide do túmulo estava trocada com o nome de outra pessoa escrito. Ela entrou em desespero. "Sou filha única e sempre fui muito apegada a meu pai. Quando vi que o corpo dele não estava ali, fiquei muito nervosa. Comecei a gritar e perguntar o que tinham feito com ele", diz a advogada.
Completamente transtornada, Izaíra procurou o coveiro do cemitério, conhecido como 'Zé Bonitinho'. Ele a levou até um depósito identificado como 'ossuário' (local onde ossos exumados são armazenados). "O corpo de meu pai estava jogado lá em cima de vários sacos cheios de ossadas. Havia restos de vergalhões e muito entulho no lugar que mais parecia um depósito de lixo. Foi uma cena horrível, o cheiro era muito forte", revela.
O corpo de Seu Juca sofreu um processo de mumificação e ainda estava inteiro e com restos da roupa. "Acho que eles tinham largado ele ali para esperar que o corpo apodrecesse para só então quebrar os ossos e pôr nas sacolas como os outros restos que estavam no depósito", suspeita Izaíra.
Ao ver o corpo de seu pai abandonado como lixo, a advogada o pegou nos braços e o levou para fora do depósito. "Coloquei-o deitado sobre um túmulo e comecei a falar que só sairia dali quando eles providenciassem um novo enterro", diz. Como estava muito nervosa e gritava sem parar, Izaíra acabou atraindo a atenção de outras pessoas que estavam no cemitério. "Elas correram para ver o que estava acontecendo, começaram a tirar fotos minhas e de meu pai. Nunca me senti tão exposta e constrangida na vida", confessa.
O corpo foi achado por Izaíra por volta das 16h. A Direção do cemitério providenciou o novo enterro somente às 19h. Desta vez, como o caixão era menor, pôde ser sepultado no mausoléu da família. "Meu pai morreu duas vezes. Uma no ano passado e outra no dia 19 de abril", lamenta a advogada.


MAL ENTENDIDO


O administrador do cemitério de Estância, Jorge Luiz Andrade Santos, conhecido como 'Jorge Contador', trata o ocorrido como um simples mal entendido. Segundo ele, o corpo de Seu Juca não poderia ser enterrado na sepultura alugada porque ela já tinha dono. "No dia 6 de abril, uma família me procurou com o recibo de aluguel e me provou que o túmulo já havia sido alugado para ela. O que aconteceu é que o tesoureiro José Paulo de Araújo viu o espaço vazio e decidiu alugar para a família de Dona Izaíra sem saber que a sepultura já tinha dono", afirma Jorge 'Contador'.
O problema é que mesmo já tendo dono, o corpo de Seu Juca foi exumado sem que a família fosse informada a respeito da remoção. Jorge 'Contador' culpa o coveiro do cemitério pelo incidente. "Ele é uma pessoa ignorante e agiu como de costume. Ele achou que os restos eram de um corpo de alguém que já tinha passado o tempo de aluguel", justifica o administrador do cemitério.
De acordo com Jorge 'Contador', quando os prazos de aluguel de sepultura são vencidos, o cemitério informa os familiares, só que muitos não aparecem para dar destino aos restos. "Como não podemos enterrar de novo, nem nos desfazer deles, colocamos tudo em sacolas e deixamos no depósito à espera de algum parente", explica.


NÃO CONVENCE


A advogada Izaíra Oliveira diz que as justificativas do administrador do cemitério não convencem. Para ela, há, sim, negligência no manuseio das ossadas e na forma como os corpos são exumados.
Ela afirma também que chegou a negociar a compra do túmulo alugado. "No dia 30 de março, ele (Jorge) me procurou para saber se não tinha interesse em manter a sepultura. Acertamos que ele me venderia por R$ 2,5 mil, em duas parcelas de R$ 1.250. Em nenhum momento, me disseram que já tinha dono", diz.
A família de Izaíra acusa a administração do cemitério de violação de sepulturas e de praticar vilipêndio a cadáver (o crime de tratar os mortos com desrespeito) e prestou queixa na delegacia de Estância. O inquérito já foi instaurado e uma perícia técnica foi realizada pela equipe de criminalística da polícia no depósito de ossos. A partir desta semana as testemunhas começarão a prestar depoimentos.


OUTRA DENÚNCIA


Esta não é a primeira vez que o cemitério de Estância é acusado de irregularidades. A jornalista Anamaria Pitangueira denunciou, em um artigo publicado no jornal 'A Tribuna dos Municípios', em outubro de 2010, que os ossos de gente de sua família haviam sumido das sepulturas. "Descobrimos que os ossos da minha avó Rosa e os de sua irmã, Vicentina Pitangueira, não estavam mais dentro da carneira. Quando reclamamos, foi nos dito que 'um cachorro tinha comido os ossos'. Minha família não quis levar o caso à frente, mas achei isso inaceitável", diz a jornalista em seu artigo.
O sumiço dos ossos de parentes da jornalista Anamaria Pintangueira fez o Ministério Público solicitar a abertura de um inquérito policial em fevereiro deste ano para apurar denúncias de venda e repasse ilegal de túmulos e carneiras.
A Direção do cemitério admite que o local já está saturado, sem espaço para novos sepultamentos, mas garante que a retirada de ossos é feita de forma legal. "Estou como responsável há sete anos e asseguro que nunca houve problemas aqui. Tenho tudo anotado e de acordo com a legislação", diz o administrador Jorge 'Contador', que faz questão de mostrar um velho livro onde são feitos os registros dos óbitos.


Foto: Arquivo Pessoal
 
Fonte: http://www.cinform.com.br/noticias/552011113969186/cemiterio-de-estancia-exuma-corpo-sem-notificar-familiares.htm


*Muito grata, Delano Mendes, pela maneira como você me atendeu ao telefone; muito simpático da sua parte!

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