Uelinton Farias Alves, critica “Labirinto”

                      Universo Poético de Anamaria Pitangueira

O enfoque que o texto lírico apresenta, tomando-se por base os poemas de "Labirinto", livro de Anamaria Pitangueira, demonstra mesmo que a proposição assumida pelo contexto poético, no presente caso, vem estabelecer uma condição de paralelo entre a causa individual pela qual se submete o autor no momento em que conduz a sua inspiração, e a universalização de uma situação que dar-se pelo comunicado textual, inerente ao texto composto, dada a condição lírica do mesmo, quando repassada de forte e dominante sentimento.

O sentimento repassado ao texto poético, é o fator que vem determinando o seu universalismo. Conduzido pela fiadura lírica, o sentimento encontrado a sua maior liberdade com a poesia, e por intermedio dela exterioriza-se sobremaneiramente enquanto proposta humanitária, de ressonante comunicado social. A poesia lírica, talvez seja, contudo, a forma engendradora da liberalização interior do modus-vivendi do fazer poético, que tem experimentado, sem limite algum imposto total liberdade de realizar, de sonhar, de fantasiar ou mesmo de transcender-se.

Drummond, por exemplo, era lírico porque era universal, ao passo que Anamaria Pitangueira é lírica porque é pura, de uma poesia traduzida de um sentimento de qualidade nitidamente natural, espiritualizante. Este paralelo só toma forma e fundo quando se sabe que em Carlos Drummond de Andrade era implícito o sentimento que gera a verdade poética, ligada ao texto lírico, neste caso universal, enquanto na autora de "Labirinto" este sentimento atinge um clímax que mais se adequa e se opera apenas para estabelecer a verdade da expressividade poética.

Em "Sentimento do Mundo" reclamava o poeta Drummond: Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo", estabelecendo, desta forma, um quadro de verdadeira agonia estética diante da problemática de realização do verso ante da citada "Verdade poética". Pitangueira já nos diz o inverso de tudo isso: "Eu queria ser poeta, extravazar emoções..." (...) Ou: "Eu queria ser poeta, sentir na existência mais vida...".

Em um como em outro vê-se a impossibilidade de realização plena da poesia. Enquanto um considera-se (Drummond), grosso modo, poeta impraticável diante suas realizações, o outro (Pitangueira) quer ser poeta, quer poetar, para se tornar cônscio das realizações que se predispõe.

O texto lírico, que universal, dimensiona-se atraves de uma postura romantizadora da poesia. A romantização, que se supõe, em todo caso fortalece o indivualismo autorial, quando tocado de sentimento, respassado da dor do ser, dístico de toda a coletividade.

Drummond e Pitangueira, entretanto, não devem ser tomados como caso único dentro de contexto poético tão complexo como o nosso. A poesia contemporânea, sobretudo a que se realiza pela veia poética da nova geração, assumiu fóruns totalmente diversos daqueles preconizados por movimentos anteriores, conforme o caso do Concretismo. Ao contrario da geração dos anos 50, o Concretismo, que decretou a "morte do verso", radicalizando uma posição estética-linguística, a geração dos anos oitenta, sobe nos andaimes montados da liberdade de dizer sem medo de cair ou de ser jogada deles. Caminha por vielas escuras, com tarja nos olhos, encorajada da emboscada iminente. Talvez, por esse assomo de vibratilidade, esteja nos novos o saber filosófico - "performático" de perceber e viver o mundo poético.

Anamaria Pitangueira, que é a consciência natural relacionada com a poesia, produzida na esfera destes grandes textos, sintese de expressivos poemas é não só autora de um modo próprio de compor, de versejar ou, se quiserem, ainda, de poetar, mas também de uma sentimentalidade fortemente afeita à humanidade, com enorme carga emotiva universal. Dada a aparente simplicidade, que os seus feitos poéticos supõem armazenar, o atingimento de sua obra, em termos de comunicado social, alcança importante força penetrativa dentro da massa de leitores que forma o seu público atual. Como em um Manuel Bandeira que é um poeta "fácil", no grosso modo de dizer, em Anamaria Pitangueira confunde-se também a forma pelo fundo. Ambos, no entanto, tem a mesma característica e, na primeira leitura dos seus versos, encantar o leitor, fazê-lo excitar-se, o que já não ocorre no momento em que se pensa em aprofundar a análise da obra.

Deste modo, passamos a saber, a partir de então, que o universo poético de Anamaria Pitangueira, a exemplo de outros tantos, é grandioso.

Paralelamente à análise da obra, o trabalho de Pitangueira ressalta interessante curiosidade. A exemplo de outros autores do verso, sua expressão ainda rebusca o sentimento puro, de característica universal, o emocional romântico "vanguardiano", polêmico e combatente como em um Castro Alves. É característico nela, também, a preocupação humanitária, o tal discreto "sentimento do mundo", inerente em poetas potencialíssimos.

Nesse quadro geral, vemos-la ao lado de uma Leila Míccolis, Suzana Vargas, Hilma Ranauro, Leila Tavares, entre outras e Waly Salomão, Chacal, Paulo Leminski, para citar poucos - porém, todos os quais, poetas de primeira hora dessa nova geração, que conta ainda com a força desbravadora de um Affonso Romano de Sant`Anna, apoiando e incentivando.

Contudo, o apanhado geral e a tomada de posição a favor dessa poetisa "menor", dar-se-á mais nitidamente quando verdadeiramente tomarmos o seu trabalho poético em leitura atenciosa. Está nela o vôo dinâmico das realizações do sonho, da fuga libertária contra os poderes cruciantes que arrolam os povos. Consciente de sua participação no esquema da atividade geral, Pitangueira coloca à disposição de todas as suas próprias armas: os seus versos. Estes refletem a realidade atual, através de um sentimentalismo que procura retomar os padrões legítimos da coletividade, por intermédio de temas que preconizam a paz, o amor, a soberania, a ordem social e o progesso consciente dos homens.

Em versos soltos ou brancos, ela procura falar do amor mas de maneira bonita e falar da vida, de forma pura. Não macula, nem xinga. Não subverte as normas verbais e nem impõe seus versos a proselitismos baratos. Pitangueira é poetisa que não deixa dúvida quanto ao seu compromisso: consagra seu amor à poesia e sua poesia ao amor.

Uelinton Farias Alves

 

*Esta crítica a “Labirinto” faz parte do livro: “Críticas e Ensaios” de U. Farias Alves e será publicado em 2012. O Autor tem vários livros publicados, escreve no Jornal do Brasil e é um pesquisador do poeta Cruz e Souza.

Que presentão de Natal, ganhei hoje, ao falar com você, Uelinton!

Boas Festas pra você e família

 

Abaixo, entrevista com o escritor:

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Ana Paula Fanon :Quando você começou a se interessar pelas obras de Cruz e Sousa?
Uelinton Alves: O primeiro contato foi quando criança; depois no ensino médio, consagrado no curso superior. Uma particularidade é que Cruz e Sousa é um poeta estigmatizado pela crítica e pelos estudiosos. Duas razões me levam a pensar assim. Sua origem escrava e o seu estado de nascimento. Se ele nascesse no Rio de Janeiro ou na Bahia certamente ele não seria tão percebido quanto ao nascer em Santa Catarina. O fato de ser negro, filhos de escravos, incomoda o poder branco que gostaria de ter como exemplo de intelectual um carantonha branca.
APF :São 110 anos da morte de Cruz e Sousa. Você poderia fazer uma breve síntese da contribuição do poeta negro na literatura brasileira ?
UA: Cruz e Sousa cumpre um papel fundamental para a literatura brasileira. Tenho dito que ele descende diretamente de cidadãos escravizados, ou seja é negro sem mescla do sangue europeu. Na literatura criar um modo de expressão literária única no Brasil, denominada simbolista, considerada uma escola entre nós. Isto o coloca na linha de frente do movimento literário, dando-o a primazia como um dos mais importantes poetas da literatura brasileira de todos os tempos. Isto é muito importante para a nossa história como negros e negras.
APF :Para você qual é a obra de Cruz e Sousa que deixa mais evidente a sua luta abolicionista ?
UA: Cruz e Sousa tem uma produção abolicionista concentrada no período em que militou no movimento abolicionista. São poemas e textos em prosa de grande profundidade pelo seu conteúdo crítico e conceitual. Que eu me lembre, de relance, posso destacar sonetos como "Na senzala...", "Vinte e cinco de março", poemas como "Crianças negras", etc.; em prosa, sobretudo "Consciência tranqüila" e "O padre". Na fase pós abolicionista, são muitos textos, sobretudo poemas e sonetos, que ferem a questão social, com foto na situação de opressão do negro, como "Abrindo féretros...", "Emparedado", e muitos poemas e sonetos de "Broqueis", "Faróis" e "Últimos sonetos".
APF:Em seu livro "Cruz e Sousa: Dante Negro do Brasil" (Pallas, 2008) você utiliza de muitos sonetos do poeta. Existem sonetos de sua preferência ?
UA: Olha, eu não diria que exista um sonetos de minha preferência. A fase madura de Cruz e Sousa é a mais brilhante da literatura brasileira, especialmente do final do século 19. Para mim os "Últimos sonetos" são incontestavelmente os mais importantes. Mas existem peças fundamentais também em "Faróis" e nos "Broqueis".
APF:Tem um capitulo do seu livro que me chama a atenção: o acontecimento da academia para você a respeito da rejeição de escritores e escritoras negros e negras na Academia Brasileira de Letras é fruto da mentalidade deformada da elite brasileira ?
UA :Diria duas coisas que acho essenciais: acho que devido, em primeiro lugar, a mentalidade deformada da elite do final do século, mas havia também uma disputa de território, no campo literário, fica esclarecido desta forma. No caso do Poeta Negro, um exilado no coração de uma cidade movimentadíssima como a do Rio de Janeiro, o processo de exclusão tinha a ver mais por uma questão de posicionamento no grupo, do qual ele não fazia parte, do que de valores culturais e literários. Tanto que na nascente Academia, existiram duas coisas: escritores que foram convidados e não aceitaram, caso do historiador Capistrano de Abreu, e de escritores fundadores que não tinham sequer livro publicado, como é o caso de Graça Aranha.
APF:Este livro lhe consagrou como finalista do prêmio Jabuti de Literatura. O que significa para você o reconhecimento da sua produção escrita ?
UA: A indicação ao Jabuti 2009 foi uma surpresa grande para mim, não esperava, até porque foram mais de duas mil obras no páreo. Nessa perspectiva, fica entre os dez finalistas na categoria Biografia, é algo muito especial. De certo modo, isto demonstra que devemos seguir em frente.
APF:Você pretende escrever mais livros sobre Cruz e Sousa ?
UA:Há ainda algumas coisas a se tratar sobre Cruz e Sousa. Como exemplo, posso lhe dizer: a reunião de textos em prosa e versos dispersos (parte dos quais citei no meu livro) e a reunião de sua correspondência, ativa e passiva.
APF:Como os críticos literários têm reagido as suas produções relevantes sobre as obras e vida de Cruz e Sousa ?
UA: Penso que a reação dos críticos, até agora, tem estado dentro da normalidade: uns elogiam, outros dizem o que gostam ou não gostam nela. É normal, faz parte do processo.
APF:Para você esta crescendo o número de escritores (as) negros (as) no Brasil ?
UA:Sim, sem dúvida. A Internet, segundo uma pesquisa internacional, está democratizando o ato de escrever, estimulando e educando a escrito. Concordo plenamente. Quanto aos escritores e escritoras negras, não tenho a menor dúvida que hoje a nossa representatividade é bem maior.
APF:Você é especialista em literatura do século 19. Em sua opinião existe uma influência desta produção escrita na produção literária atual ?
UA: Perfeitamente. A experiência da produção literária do passado aperfeiçoou a que fazemos agora. É a evolução das escolas. Ao lado da evolução das escolas, a tecnologia favoreceu em muito esse avenço das formas de escrever.

Fonte: http://portalliteral.terra.com.br/artigos/entrevista-com-o-escritor-uelinton-farias-alves

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