Balada do desgarrado para alaúde rouco

 

“quando me percebi já era alheio”

ezio déda

te apartaste e te perdeste

[boi na cordilheira,

cavalo no teto de zinco,

gato no fundo do mar]

dos caminhos mais elementares.

quede o orvalho

das madrugadas

quede as vias

de pó e poeira

fumegando a vontades

gerando gerânios ranchos rancharias

encontros e tropas de alegrias

quede o laço do abraço
distendido no vento

aberto na brisa do nada

- no nada que vale um tudo.

de pouco te valeram

óculos novos

enciclopédia universal

os bolsos topados de sonrisal

cartilagem de tubarão

mandingas de fulô preto

mantos de nuvens e manacás

se caducos

são os teus gestos,

caducos e crespos

se te apartaste

de toda a flora

da mínima areia e teogonia

que te remeteria

ao reconforto

de mãos antigas

[desprovidas de pretensões

de pedras]

e dos cheiros amigos

se te impermeabiliza

em casacos difíceis

em bílis de granito

se te esteriliza

e infundes distâncias

ao que de tão perto

e próximo

clama cócegas

e apalpos

e sal e luz

e poderia estar

aí contigo

mineral latente e seminal

sem jamais torar

na cepa.

no dentroâmago.

[tanto que teu pai

e aqueles passarinhos roucos,

ó puto,

te pediam pra prestares

a atenção na direção das brisas

e no bailado lutrido das samambaias]

apartado de tudo,

bezerro sem teta

nem consolo de úbere postiço,

nu, desamparado de solo e útero,

não escalas mais montanhas,

não trepas mais os topos altos

e básicos de ti mesmo.

te descolaste da terra

dos galhos dos ramos

das flores das sementes

da palharia que se fazem húmus

e voltam em copa grande

de arvoredos imprescindíveis

- em lutrido bailado de samambaias.

boi na cordilheira

gato no fundo do mar,

foste ali com teus pés

de zinco - sem o auxílio

do teu burro preto –

acessar ninguém

e não sabes quando voltarás.

possivelmente não voltarás,

de tão apartado

dos caminhos em que estás.

 

Jozailto Lima

 

 

*Jozailto é poeta, jornalista e editor do Jornal CINFORM.

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